Avó...
Van Gogh by Lurdes Henriques
Nunca tirei proveito do acto de te escrever. Renovo no tempo uma constante ferida cujo fingimento se sobrepõe, infelizmente, a qualquer cura uma vez possível.
Que te vou eu dizer agora, que o cheiro dos dias te levou à traição para um qualquer rasgo negro e oblíquo. Que palavras, mais fortes que o desejo de te ter aqui e deixar-me acontecer-te em todos os meus gestos de crescimento, de maturidade, de uma vida cujo caminho me indicaste, partindo cedo demais.
Não me chegaste a ver ontem, hoje, amanhã, agora. Queria que me estivesses a ver agora, na doçura infinita do teu colo sem idade em mim. Qual vento mais forte faz calar o Piano que embalavas junto à minha teimosia, ou o pincel carregado de cor que admirava horas a fio, correndo com ele, quase mundo, sobre a tela.
De que me adiantam agora as lágrimas por detrás da lembrança triste dos teus olhos, a adivinhar a saudade. Às vezes, ao recordar-te, tenho a sensação de que carregavas em ti o peso de saber que podias partir a qualquer momento. No fundo todos podemos, mas em ti a vida era força, o respirar à luz do teu fôlego inigualável. Tudo existia por ti, ou tu tudo fazias existir, e agora por isso o sofrer-te seja assim, qual horizonte sem chão.
Talvez nunca tenha sabido escrever-te. Sabido dizer-te. Ainda hoje estremeço cobardemente nas linhas que me são bambas. Nada disto me faz sentido…
Desculpa se não consigo admitir que me faltas todos os dias, em tudo. A morte nunca foi fácil. Nem tão pouco esta dúvida eterna de que se tivesse chegado mais cedo ainda estarias hoje viva nos braços em que ficaste.
Um beijo no céu*
4 Comentários:
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
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É lindo o quadro. Muito bonita tb a montagem, tão doce quanto o sorriso da foto e o teu texto.
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X.
Haveria de tê-la gostado conhecer...
Talvez fizessemos uma tela a três..*
Xuva|na|cara
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