Sul
(...)
Fiz o que pude para justificar o privilégio que tive. Trouxe comigo o que podia para partilhar com os outros: filmes, fotografias, relatos, mapas, instruções de viagem. Certas coisas não pude dividir nem contar, porque eram impartilháveis: os cheiros, o sabor da comida, a poeira e o cansaço acumulados, essa desesperada nostalgia depois de cada regresso. Outras coisas ainda deixei lá, porque não podia trazer: são coisas que viajam comigo para sempre e cuja memória há-de morrer comigo - os amigos que encontrei e nunca mais vi, os espaços, os silêncios, as estrelas no céu e outras coisas como o medo, a alegria, a solidão, a descoberta.
Nem sempre viajei para Sul, mas nada vi de tão extraordinário como o sul. O Sul é uma porta de avião que se abre e um cheiro inebriante a verde que nos suga, o calor, a humidade colada à pele, os risos das pessoas, o ruído, a confusão de um terminal de bagagens, um excesso de tudo que nos engole e arrasta como uma vaga gigantesca. Apetece fechar os olhos, quebrar os gestos e deixar-se ir. Mas é justamente neste caos que eu procuro a lucidez do contador de histórias.
Miguel Sousa Tavares
Olhares.com
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"As ordens que levava não cumpri
E assim contando tudo quanto vi
Não sei se tudo errei ou descobri."
Sophia de Melo Breyner Andersen
4 Comentários:
É por isso mesmo que, para mim, não refugio melhor do que viajar... encontrar a paz no desconhecido.
"perder paises"
melhor só mesmo viajar contigo.
*dmt*
As ordens que levava não cumpri, e assim contando tudo quanto vi, não sei se tudo errei ou descobri...
(nao sabia que era dele a frase)
SombrA
E do Norte que levas tu?
Como o Sul tem mais valor no regresso
enquanto lá
almejo o Norte
aquele que de mim sabe mais
sente intenso
no gosto do Porto Vintage
no arrefecer de um mar bravio.
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