domingo, março 27, 2005

Ausência

Às vezes ouvias-me. Estavas sempre debruçado na varanda quando eu chegava, entre uma agulha e outra que se mentiam de vez em quando num ponto mais ao lado. Levantavas os olhos por detrás dos óculos que te vestiam a face de negro. Olhavas-me pelo pouco tempo que bastava e nada dizias.
Falava, despia-me inteira ao corte da ausência de que filmava os dias longe de ti. Não sei que relação ou que maresia me faziam percorrer tanto da estrada que me mordia, para chegar ali e tu não falares. Talvez de bom fosse o reflexo da minha voz em ti, como se as palavras ditas ao teu lado ganhassem maturidade na magia, e se aclarassem no meu universo. Era estranho.
De vez em quando, nem todos os dias, traduzias dos olhos a ternura já gasta, como que num acto inconsciente para eu te ter. Apagavas a vela com as mãos, deixando que a noite não ficasse vincada em lado algum, até o cheiro ardia.


Marginal de Leça da Palmeira


Às vezes ouvias-me. Mas era difícil o corpo abraçado à Lua enquanto o resto se perdia. Nem sempre porque se querer, mas porque o tempo deixava de ter tempo de existir.
Tardei-te na ausência sem que nunca me apercebesse o quanto o teu breve olhar me precisava. E se algum dia me perguntei se te sabia, logo a resposta me fugiu.
Hoje, quando cheguei, já não estavas. Prolonguei as lágrimas pela vela que quiseste arder, enquanto esculpia, num acto louco, o teu corpo nos meus dedos.
Preciso de voltar a escrever-te, dizer-te que eu choro quanto te leio nas minhas mãos e logo te pernoito na ilusão. Porque afinal ouvias e estavas. Sempre. E hoje há algo em mim que não tolera que o último beijo não seja mais a tua voz.

Será que voltas?

Alguém em mim que não aquela que conheces

3 Comentários:

Às 2:43 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

"Será que me consegues ouvir
ou é tempo que pedes quando tentas sorrir.
Será que sabes que te trago na voz,
que o teu mundo é o meu mundo e foi feito por nós.
Será que te lembras da cor do olhar
quando juntos a noite não quer acabar.
Será que sentes esta mão que te agarra
que te prende com a força do mar contra a barra.
Será que consegues ouvir-me dizer
que te amo tanto quanto noutro dia qualquer."

Um dia disseste que esta letra poderia ter sido escrita por ti. Será...? Só tu sabes a resposta. Eu sei-te. E como é bom saber-te... Sempre. *

<3

 
Às 3:09 da manhã , Blogger sombra_arredia disse...

...Ás vezes a culpa está no mar;no seu "vai e vem, vai e vem" ondulante:impregna quem o ama desse "vai e vem, vai e vem",desse dar e tirar.
...Ás vezes a culpa está em quem não consegue permanecer com receio da não aguentar a rebentação.
...Ás vezes a culpa está em quem cerra os pés na areia e fecha os olhos expectantes
...Ás vezes custa mais não esquecer do que viver com a lembrança.

 
Às 2:06 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

Todos os dias a Terra gira em torno de si própria e volta ao seu ponto de partida, sem nunca deixar de girar.
Nós, seres humanos também giramos, mas com uma diferença, podemos escolher em voltar ou não ao ponto de partida.
Podemos fazer da nossa vida um ciclo, ou torna-la diferente todos os dias.
Tudo em nós são escolhas...nem sempre definitivas.

A noite sempre embrenhada em mistério, pode trazer tudo de volta, basta olhar as estrelas, ouvir o bater das ondas, sentir a brisa no rosto...E o tempo volta para trás.

Vané

 

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