domingo, julho 23, 2006

Fé ou rotas?

Ter medo não basta,
É preciso levar a alma ao precipício.

Taken by m.
Custavam-lhe as palavras em jeito delicado, quase sofrido. Uma, depois outra, como os passos de uma criança que aprende a andar. Pausava muitas vezes, com receio das argolas da própria voz ou do estímulo forte demais. Quantas não foram as vezes em que o silêncio foi total e tanto, e o talvez preciso, que não foi dito.

- Nunca vi nada assim.

Talvez porque nunca tenha havido nada assim. Talvez porque o assim se fez tempo entre o medo e a vontade de se ser Só.

segunda-feira, julho 17, 2006

Já fomos?

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LOCAL DA IMAGEM
(cada olhar, cada sentido)
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Quando me sais és mais longe que tudo. Tu cujo olhar esparges em redor da Avenida que baila o crucifixo do agora. Bancos enjaulados na mendicidade do esquadro, como as árvores, qual natureza veloz, entre um croquete e o milú.
Depois lá vens tu, pausado, rua fora, como se a deitasses no desprezo que não sentes. Só finges as horas mais longe para que não te doa toda a lembrança que nem sequer sabes. E depois ainda existe toda aquela azáfama de lugar palco de tudo - grandes impérios - ou o pimba soando a Vieira - qual incoerência contada. Quiçá mais tarde o teu jornal, ou um livro, tanto faz – contigo as letras nunca foram esquisitas – se debruçem sobre um chique mais ousado em espelhos do séc. qualquer coisa. Que importa? Decorar sombras de tinta antes dos encontros para parecer menos daquilo que realmente sou. Somos todos.
Já deixei a Avenida, ou tu, de que falávamos? Ah, eram afinal já seis da tarde, hora tardia, rompida na brancura do tempo, ou do chão que ficou para trás.
Já nos fomos embora sem dar por isso, volto sempre à Avenida, como à ausência do teu tempo dentro e fundo nos braços.

segunda-feira, julho 10, 2006

Quase

"Eu sei quem és, para mim.
Haja o que houver."
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Madredeus
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É estranho tudo isto. Estranho de mim isto tudo. Não percebo o que faz dos meus passos mais largos se o chão é o mesmo. Nem o que me faz acreditar que o tempo diminui. E para que hei-de querer que o tempo diminua, se a seguir vem outro, mais, sempre o mesmo. Os dias não deixam de ser dias e as horas, horas. E eu acho estranho. Quero ir depressa para ser mais rápido, mas mais rápido o quê, se tanto fica por acontecer. E o que interessa é o que tem de acontecer e o que, efectivamente, acontece. Senão de que serve chegarmos mais rápido? Para ser, para contar o quê? E já agora, chegar onde se o futuro é agora.
É estranho isto. Isto de que falo ou de que não falo, ou isto de que falo mas não digo.
Mas não sei. Invento.
Condeno-nos.


New York by M.

Hoje estive quase a dizer-te

um plural.

O todo de um mundo.

Hoje estive quase a lançar-nos no escuro,

Atirar-nos com força

De encontrar ao tacto.

E reter dessa colisão o instante em que a película é escrita.

Guardar-te na foto. Reter-te a palavra na memória.

E mostrar-te que a imagem que retorna, às vezes

do corpo,

outras no porto

é a palavra vertida que fica de nós.

Noscturna.

Hoje desisti a tempo de te dizer o que já sabias...

De te falar sobre todas as horas fundas

que as tuas mãos tocaram

e eu deixei fora da fotografia.

De te contar sobre o todo de um mundo

Engolido por dentro

Devorado pela própria lágrima.

A do poema.

Hoje quis dizer-te

porque escrevo.

Minês Castanheira

terça-feira, julho 04, 2006

Pede-me

Parabéns, minha Amiga...


Tu @ Gaia 05

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Pede ao tempo
O que o tempo não dá
As horas escassas
Circulando a idade.

Pede agora
a curva guia do rosto
E de um olhar deposto
A temer saudade.

Pede ao tempo
o gesto claro
o teu brilho nos dias
sonhando a eternidade.

Pede-me a mim
A frescura do agora
A palavra que vence
À voz do tempo
Amizade.

segunda-feira, julho 03, 2006

Contrastes

Joao sofreu um AVC há quase quatro anos. Não era propriamente um velho e, talvez por isso, o coração resistiu à violência do ataque. Ficou consciente mas praticamente não se mexe, deitado numa cama, 24 horas por dia. Foi o pior que lhe aconteceu. Durante os primeiros tempos, a mulher, também reformada, ainda cuidou dele. Mas um azar nunca vem só: de um dia para o outro João ficou viúvo. E continuou sem se mexer, deitado na cama, 24 horas por dia.
É onde está até hoje. A cama é a mesma, mas a casa onde casou e criou os filhos transformou-se numa barraca, onde convive com ratos e baratas, maus cheiros e miséria. E também com um dos filhos – um adulto que trabalha e que sai de manhã e entra à noite sem preocupações. Como se, para ele, aquele velho, deitado naquela cama sem se mexer, nem sequer existisse… (…)



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"A carRuaGem dO comBoiO é uMa salInHa anTiGa.

tudo ali é pequenino: assentos, as janelinhas, as madeiras trabalhadas a seRra de rOdeAr, poLidAs.

AsSim como uma sAliNha dE estAr paRa aMiGas mAiS ínTiMas.

Mas as pessoas de tão íNtiMas qUe sãO, já fAlarAm tuDo

e nAda mAiS têM a DiZer."

in Jornal Expresso

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