segunda-feira, novembro 27, 2006

Coisas que não se explicam...

Gritante. As páginas riscadas que se cruzam de lá para cá numa angústia inebriante. São duas da manha e ainda não sei onde começou o tempo. Onde começa a mentira. Alusões, já lá vou.

Rasgo-te aos tropeções dentro de mim, as teias dos dedos presas à ignorância, cada vez mais cómoda, cada vez mais minha. Há lá fora ainda gentes que acreditam num passo que tenha onde chegar. Desato os pulsos, queimo a lenha cerrada ao meu frio interior e resolvo baralhar a vida.
Calculo-te.
Não sei que mentira me diriam agora os teus olhos à queima roupa desta madrugada escrava de mim mesma. Não sei que vozes me bailam os medos de te descobrir e, quem sabe, morder o desencontro até sangrar.
Afinal nada disto faz muito sentido, as palavras que despejo como alinhamento do pensamento que não existe. São pontapés discretos no tempo, esse que continuo a não saber onde começa, mas sei que nos acaba a cada instante.
Afinal nada disto é preciso, é discreto, é secreto
. Há lampejos de cromatismo no avizinhar festivo, fogos repletos de sonhos e um atrás de janela onde se estremece a solidão. A minha. A nossa. A ferida que afaga o Inverno e me inventa lentamente para longe de ti.
Porque afinal já nem a mentira é mentira. É uma realidade tangível bem fundo dos teus olhos.


" De cada vez que a ternura desata o desejo
Tu és igual a mim..."
M.V

domingo, novembro 26, 2006

Espaço de memória

Estação

Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça

Mário Cesariny

sábado, novembro 25, 2006

Estrada

"Quero-te. Mas não me quero dar muito..."
P. Abrunhosa


Há mil asas que demoro no teu peito
Soletro
- Tenho medo de voar -
E depois
risco-me fora de ti
Parto para outro lugar.

Há mil memórias por saber
Ternuras e teias
e o teu beijo a esmorecer.

Há mil tempos a querer
o que o teu jeito sacode
Antes do fim.

Há mil mulheres a sofrer
o que na estrada serei
depois de ti.

sexta-feira, novembro 17, 2006

As horas perfeitas


Os olhos fechados
São como um livro encapado.
Receosos de folhear o que há dentro desse espaço.
As horas apertadas que guardo no peito,
não voltam.
Aprisionadas à força, furadas com um cadeado que se fecha do lado de dentro.
As horas apertadas que guardo no peito.
Perfeitas.
Escondem o que fica por chorar.

Minês Castanheira

segunda-feira, novembro 13, 2006

Memórias Vadias (ou divagações de cafés de esquina)

Cuspo-te nos olhos sem dares por isso.
Há um verbo que pensa e outro, mais discreto, que repensa (será que envolve o não pensar?)

- Não quero que vás! - dizes-me. Prendes-me.
Qual de ti conhece o lugar para onde vamos?
Só me faltava ter de fingir que escrevo sobre isto mesmo que estou a escrever. Montras de cafés, pseudo - qualquer - coisa. "Que vida estranha!" - dizem. E dizem tembém mais coisas que não me ocorrem agora. Não deve ser importante.
Corpos não faltam para distrair a mente. O pior é se de repente se senta à nossa mesa o Sr. Vazio. (?)
- Como está?

Não quero que vás.
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- Deixa lá isso que eu pago!
- Não te atrevas, era o que faltava!
E o que faltava era mesmo isso.
Tenta.
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- Dá-me um abraço.

- Só se vieres comigo.

(Não fui. Eu estou sempre contigo.)

- Dá-me um gesto.

- Escolhe.

(..."pim - pu- neta"...)

- Acordaste-me.

- Quantas vezes?

(Aquelas em que deixo de saber dormir sem ti.)

Nicola, Lisboa

quarta-feira, novembro 01, 2006

Fica sempre


e a que se achava deitada morreu, o som na minha cama e na minha garganta agora, pergunto-me se morrerei também e continuo, se acendesse a luz tornava a ser eu, encontrava-me
- Estou aqui
e os meus dias por ordem, prontos a usar, engomados, qual deles irei escolher para gastar amanhã e a surpresa de tantos dias ainda (...)
A. Lobo Antunes
"Ontem não te vi em Babilónia"

Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou;

que me sento na cama, distraída, a dobar demora

se, sem querer, talvez embarace as linhas entre nós.

Mas que, mesmo perdendo o fio da meada por

causa dos outros laços que não desfaço, sei que o

amor dá sempre o novelo melhor da sua mão. Se

o encontrares, diz-lhe que o tempo dele não passou;

que só me atraso outra vez, e ele sabe que me atraso

sempre, mas não de mais; e que os invernos que ele

não gosta de contar, mas assim mesmo conta que nos

separam, escondem a minha nuca na gola do casaco,

mas só para guardar os beijos que me deu. Se o vires,

diz-lhe que o tempo dele não passa, fica sempre.

Maria do Rosário Pedreira