sexta-feira, setembro 30, 2005

Rasgos

Escrevia uma página. Relia-a e cortava logo alguns parágrafos. Voltava a lê-la e tirava algumas frases. Depois ia às palavras. Reparava na inutilidade de muitas e extraí-as. O que se encontra após uma vírgula também podia desaparecer. Um ponto e vírgula geralmente indica a ineficácia das frases que une, e eram retiradas.Continuava assim durante algum tempo.Se não fosse a sua mulher roubar-lhe a página, restaria uma palavra ou talvez nada.Ele precisava tanto de escrever como de apagar o que escrevia.
Vida de adulto
"Apagar"
Pedro Paixão

Num qualquer guardanapo @ o5

sábado, setembro 24, 2005

Pelos dias...

Pelos dias dos dias
Aos dias
E o contra-senso.
Pelas sombras de luz e de espera
Em algumas a atmosfera
E o minguante.
Pelas feridas contra feridas
Da alma
E em sobressalto
Tudo o que é irreal.


Pelos teus olhos
Serpente de zinco
Há na paisagem um sonho ilícito
Calvário de murmúrios passados
Entre os beijos trocados
Qualquer suplício.


Por este poema
E pelas portas fechadas em mim.
Por um grito apenas
Quando a cama é roupagem
Neste dias em que os dias
Morrem por ti.

C.

quinta-feira, setembro 22, 2005

"...eu juro, era este o meu abrigo."


(...)
O que as esperas trazem de só,
e o que relembram.
(...)




@ Setembro 05



E partiu,
Sem me dizer o nome,
Levando-me o perfume
De tantas noites mais.
E uma asa voa
A cada beijo teu,
Esta noite sou
Dono do céu,
E eu não sei quem te perdeu.
P.Abrunhosa
O teu cheiro em toda a parte,
só tu não.
A. Malheiro

quarta-feira, setembro 14, 2005

Regresso


Eu volto,

à casa onde contigo se demorou o verão e arrumo
os livros, escondo as cartas, viro os retratos
para a mesa. Sei que o tempo se magoou de nós,
sei que não voltas, e ouço dizer que as aves
partem sempre assim, subitamente.



Volto à casa e demoro-me nos quartos frios do silêncio.
Esconderam os retratos dentro dos livros. E os livros
nas gavetas. E fizeram as camas para sempre de lavado.

Maria do Rosário Pedreira

terça-feira, setembro 06, 2005

"Há amor de Amigo..."

"O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto-
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura da mão que protege a chama que estremece."
Maria do Rosário Pedreira



(...)
Teu nome eu o escrevi, eu o perdi
teu nome que saiu das folhas para o mundo
apesar da tinta que lentamente esmaeceu
teu nome eu o escrevi e se inscreveu
de tal modo dentro de mim tão fundo
que já não sei se és tu ou eu.


Manuel Alegre
in
"Livro do Português Errante"

Reticências...

Três minúsculos pontos

no papel,

para te dizer

tudo aquilo que sabes

e não ouso pronunciar.


Cabe aqui todo o sonho,

tudo, tudo quanto

possas imaginar."

Alexandra Malheiro

in

"Pelo Inverso"