sexta-feira, maio 25, 2007

Forte demais para fingir que não

Não sei que me quer o Porto,
Que tanto chora por mim...
Eu hei-de ir morar para o Porto
Prá Rua do Bonjardim...
Cantiga popular - finais do séx XIX
Porto @ Foz (taken by me)

Sonho-te à pressa
entre coisas a despropósito: certos
filmes a preto e branco, fazer a cama
de manhã, um livro, aquela pausa
enquanto o leite ferve e o olhar
se perde, atento.
Só invadires-me o espaço
entre o meu espaço à pressa
me traz frágil: nunca sei se aconteces
porque sim, nem quando me aconteces.
Um sonho inoportuno entre o meu dia
e tantas coisas.
Ana Luísa Amaral

terça-feira, maio 15, 2007

Canto superior esquerdo

"O que faz de mim um artista é o amor pelo banal..."
Thomas Mann

olhares.com


Alguém tem de aparecer naquela curva
mesmo que se não saiba o que é depois
se estrada larga ou morte ou água turva
se solidão ou um a ser já dois.

A vida toda em sonho a esperar sempre
naquela curva não importa quem
alguém que diga o quê e saia ou entre
ainda que depois não mais ninguém.

Ainda há-de aparecer alguém que aponte
quem sabe se um aquém ou se um além
ou nada mais senão o horizonte
daquela curva onde se espera alguém.
Manuel Alegre




segunda-feira, maio 14, 2007

Marcos de tempo

Manhãs de Luz


A cada dia que se abre
nasce uma manhã tão clara,
tão de luz,
que não te cabe nas mãos
mas no olhar.
A cada dia um murmúrio de ternura,
como se um acorde perdido
no refrão de uma canção que
hás-de cantar

Quando nascer a manhã
amanhã…

hás-de ser…

Ainda o pipilar de uma passaréu,
que é coisa que se move pelo céu,
que é asa que se abriga ou
que te abriga
na sede que cada dia
te obriga

a voar…
Alexandra Malheiro
13.05.07

sábado, maio 12, 2007

Processos complicados

Sair de casa. Esquecer-me das chaves. De facto até tenho fome, já agora umas bolachas de chocolate. Trancar a porta. Entrar no carro pelo lado do pendura. Faz uma semana que me bateram. E depois lembrar-me de que não há pisca para ninguém.
Vá lá Joana, desce, estamos atrasadas. O melhor é irmos no SMART, aquilo deve estar uma confusão. Mil e uma desculpas, esqueci-me de te ligar! Mas olha, manda-me isso por mail que assim que puder dou-te uma luz. Então Joana? Esqueci-me do 7up! Deixa lá isso, já estamos atrasadas.
Chegámos, a vários sítios, já andei para a frente senão são frases e pontos a mais. Há uma multidão que suspira do mesmo. Querem música, mas não é bem aquilo, se calhar é mais porque o amigo do amigo disse que era cool, e está na moda. Sim, está na moda. Isso interessa-me. Só para a reportagem. Garrafas e placas na mão. São centenas a quererem entrar e a polícia já não deixa. Barreiras. Irritação. Mas afinal eu comprei bilhete e não me deixam passar. Epah liga ao chavalo men, o gajo orienta-te as cenas lá dentro. Tás-te a passar? O puto a esta hora já está noutra chavalo. Epah foda-se, ainda por cima tem ele a ganza, já a deve ter mamado toda. Cala-te crlh, vamos masé dar baile aos Bófias.
Mais atrás.
Empurra! aqui é que nao!
E começo a sentir o ar apertado, as mãos suadas, a vontade de desaparecer. Olho à volta e a palavra é única: multidão. Será que isto acontece noutros países ditos desenvolvidos?
O bacano lá da minha faculdade estava a dizer que disponibilizaram bueda poucos bilhetes para chularem o pessoal todo à porta. Yah! FDX, cabroes do crlh.
Escondo-me, agora o ar falta-me mesmo. Será que estou com fome? É pouco perceptivel o que se sente aqui. Olho em volta à procura de uma saída. E a barreira policial responde-me logo. Olho a fila dos bilhetes, é interminável. Rostos conhecidos em toda a parte, quase inferno. Sinto-me mal, quero escrever. Quero acreditar que lá dentro está melhor, mas os gritos assaltam qualquer palma mais contida. Muitos nem sabem o que vão ver. Vão. É o que importa. Porque no dia seguinte também de nada se vão lembrar.
Passo mais linhas à frente, já chega. Chego a casa, atiro o corpo de encontro ao silêncio. Estou velha para isto Joana. Não amiga, este país é que está velho para nós.
Talvez. Percebe-se a ideia? Já não somos só 200 universitários. Somos aquelas centenas largas que esgotariam qualquer recinto o triplo daquele. Mas é díficil perceber isso. E não inovam, não pensam sobre nada.
Custa-me ainda o processo de atirar os sapatos para o vazio. Os folhas para os dedos. Há alguém que, noutro mundo, diz ter saudades minhas. Muitas. E enche-me de amor. E de paz.
Amanhã és tu. Adormeço.

Obrigada CM

terça-feira, maio 01, 2007

Lado B (qual de nós?)

"O que me apaixona na língua portuguesa é o quanto ela pode deixar de ser portuguesa..."

Mia Couto


olhares.com

"... não aguentava mais, só queria silêncio, só queria eu sozinha, não era que te odiasse, nunca odiei, palavra, só queria eu sozinha a lembrar-me do meu pai a correr comigo ao colo, e eu a rir-me tantom pelas azinhagas da vila."
António Lobo Antunes