Coisas que não se explicam...
Gritante. As páginas riscadas que se cruzam de lá para cá numa angústia inebriante. São duas da manha e ainda não sei onde começou o tempo. Onde começa a mentira. Alusões, já lá vou.
Rasgo-te aos tropeções dentro de mim, as teias dos dedos presas à ignorância, cada vez mais cómoda, cada vez mais minha. Há lá fora ainda gentes que acreditam num passo que tenha onde chegar. Desato os pulsos, queimo a lenha cerrada ao meu frio interior e resolvo baralhar a vida.
Calculo-te.
Não sei que mentira me diriam agora os teus olhos à queima roupa desta madrugada escrava de mim mesma. Não sei que vozes me bailam os medos de te descobrir e, quem sabe, morder o desencontro até sangrar.
Afinal nada disto faz muito sentido, as palavras que despejo como alinhamento do pensamento que não existe. São pontapés discretos no tempo, esse que continuo a não saber onde começa, mas sei que nos acaba a cada instante.
Afinal nada disto é preciso, é discreto, é secreto. Há lampejos de cromatismo no avizinhar festivo, fogos repletos de sonhos e um atrás de janela onde se estremece a solidão. A minha. A nossa. A ferida que afaga o Inverno e me inventa lentamente para longe de ti.
Porque afinal já nem a mentira é mentira. É uma realidade tangível bem fundo dos teus olhos.
" De cada vez que a ternura desata o desejo
Tu és igual a mim..."
M.V
Estrada
"Quero-te. Mas não me quero dar muito..."
P. Abrunhosa
Há mil asas que demoro no teu peitoSoletro- Tenho medo de voar -E depoisrisco-me fora de tiParto para outro lugar.Há mil memórias por saberTernuras e teiase o teu beijo a esmorecer.Há mil tempos a querero que o teu jeito sacodeAntes do fim.Há mil mulheres a sofrero que na estrada sereidepois de ti.
Memórias Vadias (ou divagações de cafés de esquina)
Cuspo-te nos olhos sem dares por isso.Há um verbo que pensa e outro, mais discreto, que repensa (será que envolve o não pensar?)- Não quero que vás! - dizes-me. Prendes-me.Qual de ti conhece o lugar para onde vamos?Só me faltava ter de fingir que escrevo sobre isto mesmo que estou a escrever. Montras de cafés, pseudo - qualquer - coisa. "Que vida estranha!" - dizem. E dizem tembém mais coisas que não me ocorrem agora. Não deve ser importante.Corpos não faltam para distrair a mente. O pior é se de repente se senta à nossa mesa o Sr. Vazio. (?)- Como está?Não quero que vás.
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- Deixa lá isso que eu pago!
- Não te atrevas, era o que faltava!
E o que faltava era mesmo isso.
Tenta.
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- Dá-me um abraço.
- Só se vieres comigo.
(Não fui. Eu estou sempre contigo.)
- Dá-me um gesto.
- Escolhe.
(..."pim - pu- neta"...)
- Acordaste-me.
- Quantas vezes?
(Aquelas em que deixo de saber dormir sem ti.)
Nicola, Lisboa
Fica sempre
e a que se achava deitada morreu, o som na minha cama e na minha garganta agora, pergunto-me se morrerei também e continuo, se acendesse a luz tornava a ser eu, encontrava-me
- Estou aqui
e os meus dias por ordem, prontos a usar, engomados, qual deles irei escolher para gastar amanhã e a surpresa de tantos dias ainda (...)
A. Lobo Antunes
"Ontem não te vi em Babilónia"
Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que me sento na cama, distraída, a dobar demora
se, sem querer, talvez embarace as linhas entre nós.
Mas que, mesmo perdendo o fio da meada por
causa dos outros laços que não desfaço, sei que o
amor dá sempre o novelo melhor da sua mão. Se
o encontrares, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que só me atraso outra vez, e ele sabe que me atraso
sempre, mas não de mais; e que os invernos que ele
não gosta de contar, mas assim mesmo conta que nos
separam, escondem a minha nuca na gola do casaco,
mas só para guardar os beijos que me deu. Se o vires,
diz-lhe que o tempo dele não passa, fica sempre.
Maria do Rosário Pedreira