Não venhas...
Francesca Womman
Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado;
Não venhas falar, nem sorrir.
Estou cansado de tudo, estou cansado,
Quero só dormir.
Dormir até acordado, sonhando
Ou até sem sonhar,
Mas envolto num vago abandono brando
A não ter que pensar.
Nunca soube querer, nunca soube sentir, até
Pensar não foi certo em mim.
Deitei fora entre urtigas o que era a minha fé,
Escrevi numa página em branco, "Fim".
As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,
Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro.
Acumulei em mim um milhão difuso de vidas,
Mas nunca encontrei parceiro.
Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales.
Só quero dormir, uma morte que seja
Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales -
Que ninguém deseja nem não deseja.
Pus o meu Deus no prego.
Embrulhei em papel pardo
As esperanças e ambições que tive,
E hoje sou apenas um suicídio tardo,
Um desejo de dormir que ainda vive.
Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma,
Como um barco abandonado,
Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma
Sem se lhe saber o passado.
E o comandante do navio que segue deveras
Entrevê na distância do mar fim do último representante das galeras,
Que não sabia nadar.
Fernando Pessoa
Picture of My Own
even i don't understand what i'm here for
even i don't comprehend, i need more
even i just don't know why i cry these tears
even i, even i...don't dare to ask why
Save mefrom this sadness it's comingor take mebefore my smile it's dissolvingwake mefrom this nightmare i'm enteringdon't let me fall in the corners of my own
As a tear comes from insideI feel like i'm gonna drownand as i'm searching for something to occupy my mind againI layDown on my bedBut then a picture of my soul shows methere's no way instead
touch memake me feel i'm aliveor forgget memaybe i would die with timelove meall i need is a hugembrace me'cause times are going too rough
and as i think i'm lost nowherei find where i am all aloneand as i'm desperating slowly just lookingat my night without starsi praythat someone could callbut then a picture of my owntells me i'm made to fall
and it's a picture of my owna picture of my owna picture of my ownthat's making me feel this wayand i'm so sorry babeit's all so silent hereup herehere,here...
Zé
Quanto tempo levas?
A alguém que tem tanto de mim, ao me dar tão pouco...
Quanto tempo passa,
Quanto tempo tenho,
Quanto tempo fica p´ra te dar.
Quanto tempo vais,
Quanto tempo ficas longe,
Quanto tempo tenho para te dar mais?
Por quanto tempo partes,
Quanto tempo levas,
Quanto tempo deixas o teu corpo em mim?
Quanto tempo pedes,
Quanto tempo guardas,
Quanto tempo temos quando o tempo chega ao fim?
Pedro Abrunhosa
S.João @ Porto
A um qualquer arco-íris,
Anterior ao tempoO olhar pálido repetente dos dias festivos.
As mãos calvas, vazias
Quando à noite aconteciamos
É passado.
Anterior às tuas lágrimas
Madrugadas a fio, segredos
Os teus dedos.
Antes do tempo ou o tempo
preso a nós.
De ti o através de dor
de mim o passo no fundo
Agora é a tua mão que escrevo
E viajo, e insisto
Ao redor do nosso mundo.--,-<@
"O" Poema...
À espera de um poema...
.
.
Toda a noite à espera de um poema,
uma frase, uma palavra,
uma voz que enchesse
os vários silêncios
que acodem sempre ao final do dia…
Toda a noite à espera de um poema
enquanto o olhar se perdia
à procura de uma sílaba, um ditongo,
uma aliteração forçada, uma rima inexistente…
Toda a noite…
A noite é sempre pouca para ocupar o silêncio de um olhar.
.
.
.
Sistermoonshine
Fingir que está tudo bem
Fingir que está tudo bem:
o corpo rasgado e vestido com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas:
Fingir que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós olhamo-nos:
Fingir que está tudo bem: o sangue a ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes: ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer: amor e morte:
Fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
Auschwitz - Birkenau
Agosto @ 04
a tua ausência é. em cada momento, a tua ausência. não esqueço que os teus lábios existem longe de mim, aqui há casas vazias. há cidades desertas. há lugares.
mas eu lembro que o tempo é outra coisa, e tenho tanta pena de perder um instante dos teus cabelos.
aqui não há palavras. há a tua ausência. há o medo sem os teus lábios, sem os teus cabelos. fecho os olhos para te ver e para não chorar.
José Luis Peixoto
Uma força
Havia um rosto, de velho, de lágrimas galopantes que tentava saltar a cerca do jardim para o meu lado – via-se melhor. Num apertão de alma fui ao seu encontro e tentei segurar-lhe a dor por mais um instante, mas as pernas já sem movimento e a bengala viajante impediram-no de ver tudo mais de perto. Desapareceu dos meus olhos.
Passava das cinco da tarde, quando a multidão se cruzou com o céu, ou o céu com a voz, não sei. Foi impressionante. Uma união digna de um Homem do qual não vou falar aqui, as biografias ficam para depois, como ele assim o queria. Falar-lhe em fazer uma biografia, seria falar-lhe da morte e hoje, naquele mar de gente, falou-se de Álvaro Cunhal como nenhuma outra voz que não a deste povo jamais o saberá fazer tão bem.
Não quero deste texto o carácter noticioso, as notícias deste tema estão gastas, enroladas no fio da actualidade que se prende ao contexto da notícia que sucede a notícia. E a notícia é a morte. Quero a reportagem, livre e concisa do que foram os rostos, as bandeiras, os olhares, os hinos perdidos em tantos os cravos como a força da união. Quero rasgar esta pele jornalística que me persegue e me obriga a misturar-me com tudo o que “acontece” e escrever, e sentir, na louca solidão quase obsessiva de observar até o alcatrão da estrada coberta.
Independentemente da cor, do contexto, do tamanho ou do feitio, mas não independente da coerência admirada por tantos, ecoa dentro de cada um de nós a certeza de que há ainda uma força presa à luz derramada. Ainda há "gentes" que vibram, que suam, que chamam...
Quem esteve presente nesta despedida de hoje sentiu terminantemente o que é difícil reportar aqui na perfeição – ou não fosse o real indelével.
O velho surgiu a meu lado.
“A luta continua…”
“Até amanhã, Camarada.”
Eugénio
Adeus, Poeta
Não sei falar dos teus olhos senão chorando-te enquanto te despedes nas palavras que não mais sairão de ti. Paralela ao mundo que ziguezagueia o teu nome em toda a parte, procuro nos meus poemas todos os teus traços que bebi desde que contigo me cruzei.
Uma pausa, em silêncio, lembrando os momentos que não fomos e o arrependimento não sei de quê. Talvez da rosa que hoje não beijo sobre ti, talvez do amor que tão bem escreves - escrevias - à riqueza da simplicidade que mora contigo.
Pai dos meus versos, porque todos nós somos fruto das nossas referências, dos nossos heróis. E talvez Adeus, com dor, porque apesar das palavras que ficam, não mais a caneta se erguerá nos teus dedos pousados.
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Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chegapara afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquina
sem esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu ladotodas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olho
seram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certezade que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nomeno silêncio do meu coração.N
ão temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
A um dia sucede outro dia
Roda da sorteComo num túnel, sem ver luz ao fundo,
As pessoas vagueiam, perdidas do mundo.
Todas dependem da roda da sorte
E todas oscilam entre a vida e a morte.
Hoje no céu, amanhã no inferno,
O que parece ser Verão, torna-se Inverno.
Ao almoço tremoço, caviar ao jantar,
O destino é instável como uma folha no ar.
Paulo Abrunhosa
in
"Diário de um Dromedário"
Na cidade
uma torre
de granito
Na rua
a um dia
sucede outro dia
Pela tarde
os sinos
trá-los o vento ao sotão
lembram
as horas que passam
toda a solidão do mundo
João Pedro Mésseder
"Lapa, à hora dos funerais"
Sobre ti
À Xana,
Nada mais do que isto,
E tudo isto sobre ti...
Nem sempre
Nem sempre nos sobra a luz dos passos que damos. Talvez nos beije mais quotidianamente o nada que fere.
E hoje, o que me resta?
Luz agonizanteLuz a mais nesta noite caiada de subúrbio
Luz paralela quando as pálpebras te pensam
É assim que me morre toda a poesia.
Ao partir de mim, do vento
Para este tormento de papel
Luz tragada, todo o passo é de cor
Luz cansada, quando dizes ferro e dor.
Tanto por percorrer
E as noites são assim
Quando a vigília faz tortura
Todos os contornos em mim.
Corpos que trago em bandejas
E sirvo-me com rancor
Corpos de ira, sem amor
Imagens,
Imagens,
Imagens…
Perco tudo
A luz, luz distante
Quanto ao resto, protesto
Não é só o estar que permanece
O meu tempo demais, por ti
No cigarro que arrefece
Ou dentro dele quem não vivi.
C.
Ser a Amizade
A quem se espelha nestas imagens e me deixou hoje este poema tatuado, como se os seus olhos o tivessem escrito,
*You know why*
Ás vezes falta-me, não sei
Versos que liguem as palavras que me escorrem
Rasgos de cor
Bem vestidos
Da cumplicidade à ferrugem.
Faltam-me
Folhas brancas, em branco
Não sei,
Se é de ti que nascem as sombras
E tudo aquilo
Que chorei.
Às vezes gostava de sentir
Os poemas a arder
Dentro de ti em que o beijo
Se espalha para não ser.
Restauro os momentos de ausência
O vazio
Quem eras…
Quando os puzzles montavam cinzas
E me cobriam do frio.
Podes estar aqui, ali,
Volto a não saber
Podes ser quem
Me falta trazer
Pelas ruas percorridas
Peitos enxugados nas mentiras
À vertigem do prazer.
Acho que me falta a solidão
Como voz humana
Pensar a dor tendo-te na mão
Fugir-te como quem chama.
C.