Perder-te
Não posso deixar-te
Não assim enquanto as lágrimas se precisam
Na saudade que é já tão quente
Não, não me leves a dor à madrugada
Pelos sinais transcritos que invento
Porque minto tanto
Quando é de ti que falo
E me sustento.
Não, já não sei
De que cor no mar são os meus olhos
Redobrados e repostos como folhos
Queimados no fervor a que me dei.
É mesmo isso, quando tudo se levanta
Para se sentar o véu escrito
O vento é tão escuro
Quase crucifixo.
Não, não sei já
O que é perder-te
Colando os segredos com que me esperas
No jardim.
Deixa-me sofrer-te.
(E já quem, de mim?)
C.
Praia da Rocha @ 05
Porque é so retrato dos meus olhos
onde as fontes do sol vêm beber
este mar de Setembro azul perfeito
que nas pedras acaba de morrer.
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Porque na noite clara do teu peito
a lua é só um pássaro ferido
e as palavras nascem dos meus dedos
carregadas de sonho e de sentido.
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Porque és a cor dos rios em cada fonte
no silêncio da terra desvelada
lágrima orvalho pétala horizonte
onde se abre verde a madrugada.
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A.Lobo Antunes
"Valsa Vienense"
As Viagens
"As viagens estão intimamente ligadas aos meus livros. A todos eles, mas em especial aos primeiros. Aqueles que o tempo destruiu, tornou impublicáveis - ou eu rasguei, queimei, perdi..."
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Al Berto
Linha Amarela
Linha Amarela
Gestos que se atravessam
E logo enlouquecem
O desfecho da dor
Mãos rasgadas, nas paredes
Em sangue pisadas.
Ontem quando os teus olhos feriam
E o grito era o terror.
Ruínas estreitas
Entre a vida e o amanhecer
E os muros que se constroem
Num quarto de hospital
Onde tudo o que ferve
Se faz esquecer
Entre o risco e o imortal.
(Ruínas estreitas
Vidas perdidas
Gaivotas desfeitas
E outros medos
Sempre em feridas.
Guerra e suor
E sacos vazios
Quando o ar não chega
E os bolsos são de fios.
Bombas de oxigénio
Macas vazias
O dia falhado
Cruzes no altar
E ficares
Em lume arado
Enquanto te despedias.
O que móis
E o que destróis
Do que não é
Do que não foi.
Salvaste,
O que te dói?)
Será toda a parte este mundo
Onde as asas se compõem
Sem futuro
Será deitado o segundo
Hoje que te deixo
E o tempo é já tão escuro.
(E o tempo sem futuro)
--,-<@ - Porto -
Redundante? Sim, vou sê-lo e muito. Porque me apetece ziguezaguear as palavras como se o sentido se perdesse em todos os olhares e se cumprisse num só: o teu.
Talhados os segredos não foi em vão que o mundo se abriu a um tempo que se viria a tornar perfeito. Sombras de olhares e de anos partilhados, sempre e outra vez nas palavras que imperavam e bastavam, mesmo quando não as sabia.
“Passos em volta”, da música, essa união que me faz sentir o horizonte distante e o mar mais perto. Porque é azul, o mar é sempre azul, não importa se de dia, se de noite, não foi assim que me ensinaste?
Hoje é dia 24 de Janeiro e um ano é muito menos do que o tempo que quero para te lembrar.
Não sei como será daqui a uns anos, quando as mãos estiverem gastas e repletas de tantos momentos assim que marcam a nossa história, ou que escurecem o olhar.
Sei que há um ano era dia 24 também, não aqui, mas tão dentro de nós.
Obrigada Amiga
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"24/01/04"
Quando nada mais importa...
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"Eu não quero ser quem fica...
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...muito menos ser quem parte."
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Miguel A. Majer
Lisboa em sangue
"Vou pela rua desta Lua
Que no meu Tejo acende o frio.
Vou por Lisboa maré nua
Que desagua no Rossio.
Vou pela estrada deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
Até que a lua apaixonada
cresça na vela da canoa."
Um Homem na cidade
J.C. Ary dos Santos
Baixa Lisboeta
... Quebra o lume enquanto devoras
O fumo cinzento
Da cidade em que lamento
A sombra das horas ...
E porque me dóis?..
Sei de cor cada lugar teu
Atado em mim
A cada lugar meu
Tento entender o rumo
Que a vida nos faz tomar
Tento esquecer a mágoa
Guardar só o que é bom de guardar
.
Pensa em mim
Protege o que eu te dou
Eu penso em ti
E dou-te o que de melhor eu sou
Sem ter defesas que me façam falhar
Nesse lugar mais dentro
Onde só chega quem não tem medo de naufragar
.
Fica em mim que hoje o tempo dói
Como se arrancassem tudo o que já foi
E até o que virá
E até o que eu sonhei
Diz-me que vais guardar e abraçar
Tudo o que eu te dei
.
Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
E o mundo nos leve pra longe de nós
E que um dia o tempo pareça perdido
E tudo se desfaça num gesto só
.
Eu vou guardar cada lugar teu
Ancorado em cada lugar meu
E hoje apenas isso me faz acreditar
Que eu vou chegar contigo
Onde só chega quem não tem medo de naufragar
.
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Mafalda Veiga
Rua Passos Manuel @ Porto - Taken by nopia
Primeiramente
Acordo sem o teu contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus.
E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome, pelas ruas álgidas onde tu não passas, com a solidão aberta nos dedos como um cravo.
Meu amor, amor de uma madrugada de bandeiras, arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente, até que outra boca - e sempre a tua boca! - comece de novo a nascer na minha boca.
Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros, encostar a minha face ao rosto lunar dos bêbedos e perguntar o que aconteceu...
Eugénio de Andrade
À descoberta de um novo espaço!
Dá pelo nome de "O-Inculto" e estende-se a um espaço exímio de descoberta e cultura. Viajar por este mundo virtual tem tanto de complexo como de sedutor. Desde a palavra à imagem, em todo o momento um novo espaço, uma nova conquista, um novo vulto de comentário e leitura que nos possa remeter a sugestões e pensamentos diferentes.
Perante a crise de valores sociais e culturais de que está a ser vítima toda a sociedade - principalmente nas gerações mais jovens - é sempre uma mais valia a existência de um espaço acessível que nos diga que é tão possível quanto simples ir além daquilo a que se dá o nome de "cultura pop".
Por isso hoje nesta "Folha em branco", um momento de publicidade merecido, para que estes pequenos rasgos de cultura possam ter asas para voar.
Descubram-no!
Aí
Vista da torre Eiffel - Paris @ Agosto 2004
"...Guarda-me bem, perto de ti, sempre perto, mesmo que eu não te veja ou tu não me fales, estarei ali, junto a ti, como vénus sempre atrás da Lua quando o dia cai e anoite se levanta, silenciosa, altiva, celeste e discreta. Deixa-me ficar aí, aí ninguém me vê, estou protegida pela discrição da noite, pelo silêncio dos pássaros que já dormem e não nos podem denunciar. Serei uma sombra, um suspiro, um sorriso, uma festa no teu cabelo."
M. Rebelo Pinto
Silêncio brutal
De todas as passagens de ano, sempre existiram umas mais vividas que outras pelas mais diversas razões. Cada um terá, à partida, motivos pessoais que permitem o sentir melhor ou pior momentos que nos sao tão melancolicamente sós, mas que insistimos, no entanto, em festejá-los. Ou não será isto que festejamos?
Esta madrugada também eu fui para a rua, levando comigo tudo aquilo que queria que ficasse anónimo numa gaveta no topo do tempo. Acreditei que poderia ser diferente a fuga deste ecrã e a negação da escrita, para tentar penetrar e viver o mundo real que se sente lá fora. Fui ter com as "gentes", levei a tradição, gritei ao tempo como se precisasse de um eco exímio. Perdi.
Das ruas, este ano, só a solidão traída por um todo descontente. Os carros sem som, os rostos tristes, vazios, entre a miséria e a raiva de não acontecer. Uma meia noite que se fechou num silêncio brutal que quase feriu aquilo que deveria ser um começo. A desilusão está estampada no povo, como se de uma epidemia se tratasse. Quase me custou a acreditar que era tempo de reviver a esperança, mesmo sabendo que de todas as noites nasce o dia.
Onde será que paira a luz das tantas vozes que ontem se calaram?
Bom ano!